Feliz aniversário, São Paulo

Um dos maiores apegos que tenho é com cidades. Nem tanto locais, mas cidades mesmo. Chego até a dar uma personificada, criar uma prosopopeia ao falar das cidades onde vivi ou que visitei.

Piracicaba é a cidade que me adotou e me criou, às vezes fico muito tempo sem visitá-la mas é sempre gostoso e confortável sentir o calor (e que calor!). Bauru, onde fiz faculdade, é como uma amiga agora distante que me deixa dormir no sofá da casa dela quando preciso. San Francisco é parecida: sempre nos divertimos juntas e sempre queremos nos ver, mas não somos muito próximas. Nova York é um amor impossível, nosso timing nunca bate, mas tenho certeza que seria a melhor coisa do mundo viver lá.

E daí tem São Paulo, onde morei por quase oito anos.

sao paulo aniversario 05

Sempre que é aniversário de São Paulo, fico um pouco introspectiva, passo o dia pensando na minha relação com a cidade e refletindo sobre tudo que vivi lá e o quanto é culpa minha e o quanto é culpa dela a maneira como me sinto.

Aos 21 anos, faltando apenas um semestre para terminar a faculdade de Jornalismo em Bauru, decidi, da noite para o dia, me mudar para São Paulo. Sentia que meu tempo universitário já tinha acabado e, agora, eu precisava estar na capital. Arrumei uma entrevista de emprego no susto, passei no susto e, um fim de semana depois, assustada e empolgada, me tornei moradora da cidade.

Era um sonho viver em São Paulo. Mas nunca foi o que eu esperava. Acho que o motivo pelo qual brigamos tanto com a cidade é que ela nos dá o que a gente precisa, não o que a gente quer. Ao menos, não na hora que queremos.

Eu queria o que toda pessoa de classe média que vai para a cidade depois da faculdade quer – e digo isso já assumindo minha própria culpa de ser algo tão fútil: uma vida agitada, roupas bonitas, baladas inesquecíveis, morar na Baixa Augusta, ter um cargo importante numa agência de qualquer coisa, aparecer na capa da Vejinha, ter uma amiga artista e um namorado barbudo que sabe fazer drinks.

Com o perdão da palavra: que monte de merda.

São Paulo é uma cidade que te ferra de todas as formas. O salário nunca é suficiente, então todo mundo tem uma dívida. Estamos sempre correndo e encontrando as mesmas pessoas, porque fazemos exatamente os mesmos caminhos todos os dias e, a cada vez que mudamos de emprego, mudamos a turma de amigos – quem tem tempo para conviver com pessoas diferentes das que trabalha, de conhecer outros lugares?

Mas São Paulo tem uma efervescência de cidade grande que deixa as amadas capitais europeias no chinelo. Sempre tem algum bar, alguma balada, alguma exposição, algum filme, alguma coisa. Mas nunca dá tempo; em oito anos de São Paulo, só comecei a ir a exposições quando fiquei desempregada. Trabalhei um ano e meio literalmente ao lado do MASP e só o visitei uma vez. Pior ainda: morei a 20 minutos desse museu por pelo menos quatro anos e não houve um fim de semana que cogitei visitá-lo.

Viver em São Paulo é sentir-se uma fraude o tempo todo. Dizemos que amamos a atmosfera, as pessoas, a correria, que ficaríamos entediados no interior. Deixamos nossa saúde mental à mercê de um estilo de vida que imaginamos na adolescência, projetamos na cidade e achamos que ela tem a obrigação de nos dar.

Farol Santander

Então, aceitamos empregos que nos exploram física e mentalmente em troca de um salário que serve apenas para pagar o aluguel no Centro (é um pouco perigoso, mas é só chegar cedo! Ao lado do metrô! No coração de São Paulo! Um achado!) e pagar o mínimo do cartão de crédito. Ignoramos o cheque especial e entramos na Endossa e compramos mais uma blusa transparente porque nem lembramos que já temos três, depois na Tokstok para parcelar em cinco vezes novas lixeiras cromadas para o banheiro. Enviamos inbox para os donos das festas no Facebook para tentar uma entrada VIP e comemos sanduíche de pernil com a maquiagem borrada e o cabelo suado no Estadão, segurando a cabeça que pesa de tanta Heineken long neck e tanto sono. Estamos sempre cansados, quase exaustos, chegando atrasados no trabalho e nos entupindo de café enquanto tomamos o ansiolítico para aguentar mais um dia que não encontramos o que viemos buscar em São Paulo, mas talvez estejamos, agora, no caminho certo.

Agora sei: a culpa é minha. Eu buscava a resposta em São Paulo, mas a pergunta estava errada.

Eu achava que São Paulo seria o lugar onde eu viraria a pessoa que sonhava ser, como o terreno onde eu me destruiria e me reconstruiria de uma forma bastante específica. Não deixa de ser isso, de certa forma, mas sinto que São Paulo tem suas maneiras – muitas vezes crueis e questionáveis – de te transformar na coisa certa, e não no que você acha que deve ser.

SP 14

A cidade foi o palco das minhas maiores desilusões. Meu coração foi quebrado de tantas formas que acho que nunca mais conseguirei remontá-lo como era antes. Chorei no metrô, na rua, no café, no chão frio do apartamento, no banho, chorei tanto que uma vez fiz post sobre lugares para chorar em São Paulo e ele viralizou.

Leia também: (Mais) 10 lugares para chorar em São Paulo

Eu nunca apareci na capa da Vejinha, nunca fui uma profissional de destaque em nada, nunca usei roupas descoladas, nunca fui nada do que eu achava que seria em São Paulo. Mas a cidade me deu tudo o que tenho hoje e, por isso, eu me sinto bastante nostálgica e um tanto ingrata ao pensar na minha vida lá.

Foi em São Paulo que virei adulta – ou melhor, que virei gente. Convivi com pessoas de todo tipo e aprendi que todo mundo tem sua história e suas razões, o que me fez uma pessoa muito melhor do que eu imaginava que seria. Fiz amigos improváveis e recebi meus amigos na cidade, conforme eles também chegavam da faculdade e, surpreendentemente, continuamos amigos até hoje. Mudei de carreira, aumentei meu salário. Fiquei sem dinheiro, paguei minhas dívidas e jurei que nunca mais trabalharia tanto porque dinheiro não importa tanto assim. Adotei meu cachorro. Decorei um apartamento, dois, três. Fiz um monte de mudanças. Me apaixonei pelo teatro e por tudo que ele me faz descobrir. E finalmente não me desencontrei do amor da minha vida – quase nos conhecemos muitas vezes antes, mas São Paulo guardou o melhor para o final.

Acima de tudo, meu Deus, como eu me diverti em São Paulo! Como foi bom passar oito anos dando risada, cantando, dançando e até quebrando a cara com a cidade como pano de fundo!

Voltarei a morar em São Paulo logo, mas, dessa vez, de passagem, sem a pressão e a rotina sufocante dos últimos oito anos. Espero que seja leve, que seja breve, e que São Paulo se torne uma ex que se tornou, depois de tanta tempestade, uma amiga distante. E, distante assim, praticamente nos falamos só quando é aniversário: feliz aniversário, São Paulo.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!