Em busca da Síndrome de Stendhal em Florença, na Itália

Florença foi o berço do Renascimento e, até hoje, passear por suas ruas é como olhar por uma janela para o mundo no século XVI. Até antes, mas, como a cidade floresceu (rs) durante a Renascença, a influência artística é perceptível até hoje e dá uma aura muito diferente à cidade. Estar em Florença é experimentar as cores, cheiros e texturas que foram sentidos – e, em parte, criados – por artistas como Giotto, Boticelli, Giambologna e, claro, os quatro artistas que todo mundo sabe o nome: Michelangelo, Donatello, Leonardo e Rafael.

Não é exagero dizer que Florença é lindíssima. Parece, de certa forma, um museu e também uma galeria a céu aberto, onde as manifestações culturais mais recentes, em stencils e lambe-lambes, se mesclam às mais antigas, como as pinturas religiosas espalhadas pelo centro e os detalhes da arquitetura.

street art firenze

Por isso, quando descobri sobre a Síndrome de Stendhal e o fato de ter sido documentada nessa cidade, não me surpreendi tanto quanto com a existência dessa tal síndrome. Descrita por pelo escritor francês Standhal no livro-diário Roma, Nápoles e Florença, de 1817, ela consiste na “perturbação” que sentimos ao ver obras de arte lindas, tão lindas, mas tão lindas que causam aceleração dos batimentos cardíacos, tonturas, confusões e até alucinações e desmaios. E, sim, é uma síndrome patológica real, reconhecida em 1979.

Confesso que não foi tudo isso o que aconteceu comigo, e gostaria muito de ter passado por uma experiência alucinógena ao ver um afresco. Mas consigo entender o que Stendhal relatou ao pensar em como me senti em Florença:

“Eu estava em uma espécie de êxtase, pela idéia de estar em Florença, perto dos grandes homens cujos túmulos eu tinha visto. Absorvido na contemplação da beleza sublime.”

Estar em Florença, uma das cidades italianas que mais me lembro de ter estudado na escola, vendo de perto construções históricas indescritivelmente lindas e impossíveis de serem fotografadas com fidelidade, definitivamente causa um tipo de êxtase. Ver de perto obras de arte feitas há séculos pelos maiores artistas de todos os tempos inflige uma sensação única de pequeneza e insignificância.

Três lugares se destacam na minha busca pela beleza em Florença: o Duomo, a Piazza Della Signoria e a Basílica de Santa Croce.

Duomo de Firenze

duomo firenze

Em todas as fotos que vi do Duomo, ele parece lindo: com mármore branco, verde escuro e rosa, as cores são muito caractéristicas e tem um estilo arquitetônico que se repete também na Santa Maria Novella e na Santa Croce. Além da catedral, ficam do ladinho a Torre del Campanello (ou Torre do Sino) e o Batistério de San Giovanni. Um conjunto de prédios que são símbolo da beleza fiorentina.

duomo firenze portaMas, pessoalmente, encontrá-los causa um impacto maior do que eu esperava. As cores são complementadas com os mosaicos dourados em cima das portas, os mármores de cores diferentes formam desenhos geométricos perfeitos e as esculturas que decoram a fachada e adornam os vitrais por fora merecem ser admirados à parte.

Por isso, não se sinta culpado caso se pegue sentado em um dos bancos próximos passando os olhos devagar pela Catedral e seus prédios anexos: eles realmente cobram essa atenção toda e nenhuma foto conseguirá capturar tão bem o fascínio que criam.

Aliás, acho que nunca passei tanto tempo apenas contemplando a vista como o fiz em Florença!

Falando em vista, vou fazer um post também falando sobre a vista de lá de cima do Duomo! Curta a página do blog para não perder 😉

Piazza Della Signoria

Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria (também conhecido como lugar onde a família do Ezio foi aprisionada e executada em Assassin’s Creed 2)

Pertinho do Duomo, fica a Piazza della Signoria. Ela é parada obrigatória em Florença porque é de fácil acesso e é uma das únicas exposições que não custam absolutamente nada na cidade.

A primeira visita na Piazza della Signoria é à Loggia dei Lanzi. É uma espécie de pátio que exibe estátuas que podem datar até o século II e terem sido feitas durante o Império Romano – é o caso dos dois leões na entrada. Duas se destacam: a estátua de Perseu cortando a cabeça da Medusa, de Benvenuto Cellini, e o Rapto das Sabinas, de Gambologna.

Ao lado, na porta do Palazzo Vecchio, é possível ver uma réplica do David de Michelangelo e a estátua (original) de Hércules e Caco, de Bandinelli. É preciso pagar visitar o museu, mas a caminhada até a bilheteria oferece uma entrada de afrescos e colunas esculpidas que te farão andar bem devagar e olhando para cima.

No entanto, minha síndrome de Stendhal se manifestou com algo muito mais simples: do lado de fora, do lado direito, quase na esquina, há uma pedra com um desenho simples de um homem de perfil. Esse “rabisco” foi feito por Michelangelo e há algumas lendas sobre o motivo.

importuno de michelangelo firenze

Uma das versões diz que ele o fez, de costas, em uma aposta; outra, que desenhou rapidamente o rosto triste de um homem que viu ser executado na praça; por fim, outra diz que foi só um desenho que fez enquanto conversava, entediado, com um homem que sempre o incomodava. Por causa desta última, essa street art renascentista é conhecida como L’importuno de Michelangelo.

Para mim, o mais impressionante é a simples existência desse rabisco há tanto tempo, suportando sol, chuva, vento, neve; quase imperceptível e provavelmente ignorado pela maior parte das pessoas que visitam. Pudera; há obras de Michelangelo muito mais complexas que esta – que sequer é uma obra, convenhamos – espalhadas pela cidade inteira. Mas é justamente nessa simplicidade que está a magia do desenho.

Igreja de Santa Croce

Stendhal, ao descrever a síndrome que o acometeu em Florença, estava se referindo a uma visita à Basílica de Santa Croce. Para quem não é tão religioso, a igreja também serve muito bem como museu e até cemitério de fiorentinos ilustres – ou seja, é um lugar de enorme importância histórica e que não costuma ser tão cheio por ser um pouco mais afastado (mas não é longe: a pé, dá uns 15 minutos do Duomo).

tumba galileu santa croce italia
Tumba de Galileu na Basílica de Santa Croce

É lá que estão as tumbas de Michelangelo, Galileu, Maquiavel, Dante Alighieri e muitos nomes da história de Florença; diz-se que uma das maiores honras para um fiorentino é, após a morte, ser “convidado” para ter o descanso eterno na Santa Croce. Além das tumbas mais extravagantes e artísticas, há muitas outras no chão, espalhadas pela catedral e gastas pelo tempo (e pelas solas dos visitantes).

Ver essas tumbas joga um balde de humanidade sobre pessoas que existiram mas que, hoje, são praticamente folclóricas. A sensação de estranhamento da descoberta é como se, finalmente, eu entendesse que Galileu foi um homem de verdade! Eu sempre soube que sim (lembra do post do Observatório de Pádua?), mas ter essa prova ali, diante de seus olhos, é uma coisa diferente.

altar santa croce firenze
Se quiser ver os detalhes, clica que aumenta!

Outro tipo de êxtase me acometeu ao observar o altar da igreja. A nave não é tão impressionante nesse quesito (quer dizer, exceto pelo fato de que há tumbas com esculturas maravilhosas em todo o caminho, além das do chão), mas as obras que compõem a parte principal são de tirar o fôlego.

Os afrescos que contam a história de Cristo vão até o teto, com um painel dourado ao centro (tenho certeza que isso tem um nome, mas eu não sou religiosa o suficiente para saber – me contem nos comentários!), uma cruz bizantina de madeira pendurada ao centro e vitrais enormes no fundo. Parece que não existe, ali, um centímetro que não seja coberto por arte, mas não de uma maneira sufocante, e é impossível desviar o olhar.

Outra obra chama atenção também no altar: é um painel de madeira pintado a óleo chamado São Francisco e cenas de sua vida, que data de 1235. Perfeitamente conservado, tem como uma de suas principais características o fato de parecer uma história em quadrinhos, algo muito familiar para nós mas que, na época, deve ter sido um tanto inovador – e confuso.

Minha sensação em Florença, no geral, foi de estar sobrecarregada de informações, até meio ansiosa, sem conseguir dar a devida atenção a tudo. Mas, ao focar em apenas uma coisa, sempre encontrei algo lindo, seja na parede de um museu, seja num stencil na rua.

É assim que quero lembrar da cidade: um lugar onde há beleza por todos os cantos.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!