Conhecendo a cidade do meu bisavô na Itália

Este texto foi enviado para os assinantes da newsletter do blog, chamada Diário de Bordo, no dia 26 de dezembro de 2018 e foi levemente editado para se adequar ao formato. Para receber em primeira mão textos como este, é só deixar seu email aqui! 🙂 

Depois de passar o Natal em Verona, aproveitei que estava a uns 40 minutos da cidade onde meu bisavô nasceu e decidi conhecê-la. Fica na província de Vicenza – tanto que minha vó sequer sabia que ele era dessa cidade, e não de Vicenza – e se chama Altavilla Vicentina.

É bem pequena: tem 9 mil habitantes, uma avenida que corta a cidade, alguns prédios muito antigos e pouca gente na rua. Ok, era dia 25 de dezembro, eu não esperava que tivesse muita gente na rua ou uma grande aventura turística. Mas, ainda assim, quis matar a curiosidade.

Acho que a maior parte das pessoas que vêm para a Itália para fazer o reconhecimento da cidadania planeja visitar a cidade do antenato. Não é exatamente algo incrível nem nada, mas é bastante pessoal. E, sendo tão pessoal, eu sabia exatamente o tipo de emoção que buscava.

Meu bisavô saiu da Itália com seis anos, então provavelmente tinha poucas memórias de sua terra natal. Eu, três gerações depois e mais de um século, fui a primeira descendente a estar ali, e só estou porque ele, há mais de cem anos, nasceu nesse lugar.

altavilla vicentina
Na estação de Altavilla-Tavernelle, aproveitando o atraso do trem para tirar fotos na cidade

Desci da estação e segui rumo à avenida principal procurando coisas velhas, especificamente coisas que meu bisavô poderia ter visto e que ainda estavam lá. Encontrei o parque da cidade e, do outro lado da rua, um edifício bem antigo que não sei o que é. Ele fica numa praça na qual ele talvez tenha brincado e, seguindo a rua, passei por algumas casas com a alvenaria gasta e a grade enferrujada, por uma placa de 1802 convidando os pedestres a passar um tempo no jardim com árvores enormes… Definitivamente, haviam coisas que foram vistas pelas gerações passadas.

Mas eu não senti nada disso.

altavilla 2
Uma árvore que talvez tenha sido vista pelo meu bisavô e um monumento que com certeza não foi (ele é em homenagem aos mortos na I Guerra Mundial)

Eu não senti a nostalgia, a emoção, a gratidão, nada. Eu não me emocionei, não cheguei nem perto de sentir o que eu achava quando vi que seria possível visitá-la no dia do Natal. Nem todo o simbolismo de ter falado com a minha vó na noite anterior em chamada de vídeo e, menos de 12 horas depois, no dia 25, desembarcar na cidade onde o pai dela nasceu, nada me comoveu.

E isso foi extremamente frustrante.

Não tem nada de errado com a cidade. É uma cidade comum, onde as pessoas vivem, trabalham, compram refrigerantes na promoção do mercado, vão à missa, praticam algum esporte, levam os filhos para a escola. Por acaso, é também a cidade de onde 1/4 da minha família veio. É apenas 1/4, 25% dos quais eu sequer carrego o sobrenome, mas herdei algumas características como a sobrancelha baixa, o tamanho do sutiã e o direito a me tornar cidadã italiana.

Eu não cheguei nem perto de conhecer meu bisavô, o último nascido na Itália até agora, e sei pouco sobre ele – tudo com base no que minha vó e sua memória contou.

Sei que era o irmão do meio e foi para o Brasil ainda pequeno. Desembarcaram no porto de Santos e foram trabalhar no interior de São Paulo, numa fazenda. Alguns anos depois, conseguiram comprar uma casa no centro de Piracicaba e montar um negócio próprio – minha vó sempre chamou de bar, mas não era um boteco, e sim um café, onde também vendia o que chamamos de secos e molhados, mais ou menos como uma loja de conveniência. Só entendi de verdade quando vim para cá: o tal bar do meu bisavô era um bar como os que existem na Itália.

Não sei como era a relação dele com os filhos, mas sei que não deixou minha vó estudar depois da 4a série porque isso não era coisa de mulher (suas avós devem ter histórias parecidas). Sei que ele falava italiano, porque o avô da minha avó não falava português, mas apenas ensinou algumas expressões para ela. Conheço muitos brasileiros que descendem de italianos, mas não conheço nenhum que fala italiano por causa disso, e a cada dia aqui lamento mais que o idioma não tenha sido ensinado para nós – não apenas porque facilitaria muito minha vida, mas porque é uma língua muito bonita e expressiva.

Também sei que ele morreu cedo, com pouco mais de 50 anos, de um infarto, como consta na certidão de óbito. E sei seu nome completo, como está na certidão de nascimento italiana; duvido que ele mesmo soubesse disso.

Essa jornada de reconhecimento da cidadania me tem feito pensar muito sobre a efemeridade de tudo e de todos. Tudo na Itália é tão velho, mas tão velho, que uma placa de 1802 não é lá uma coisa tããão histórica. Tantas pessoas já nasceram e morreram nessas cidades que acabam virando apenas um número, com nomes e histórias desconhecidos – os que dão alguma sorte ganham placas fixadas na frente das casas onde nasceram exaltando seus feitos na ciência ou na guerra. Muitos vivem apenas na citação de que “parece que o vô da minha avó nasceu lá”. A maioria das pessoas não tem um legado palpável, uma biografia, uma herança, nada.

ponte pietra verona
Eu, nascida em 1990, e a Ponte Pietra, em Verona, que foi construída cerca de 2 mil anos antes, bombardeada na 2a Guerra e ainda está aí

A família da minha avó foi para o Brasil depois de deixar tudo na Itália em busca de… Oportunidades de trabalho? Uma vida melhor? Uma promessa de lar para criar os filhos e envelhecer? Não sei. Não sei se eles esperavam voltar algum dia. Não sei o que eles esperavam encontrar aqui. Mas, estando na terra deles mais ou menos pelo mesmo motivo, encontrei o legado do meu bisavô: a oportunidade de voltar para a Itália.

Opa, também encontrei aquela emoção que falei antes.

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Giovana Penatti

Giovana Penatti

Giovana mal pode esperar pela terça-feira à tarde na qual estará tomando um drink numa praia no Mar Mediterrâneo rindo muito de tudo isso. Enquanto isso, escreve sobre viagem e morar no exterior por aqui!